Anemia falciforme

A anemia falciforme é uma anormalidade da hemoglobina (a proteína transportadora de oxigênio encontrada em glóbulos vermelhos), herdada geneticamente, caracterizada por glóbulos vermelhos em forma de foice (meia-lua) e anemia crônica causada por destruição excessiva de glóbulos vermelhos anormais.

  • As pessoas sempre têm anemia e, às vezes, icterícia.

  • Piora da anemia, febre e falta de ar com dor nos ossos longos, abdômen e tórax podem indicar crise de anemia falciforme.

  • Um exame de sangue especial chamado eletroforese pode ser usado para determinar se a pessoa tem anemia falciforme.

 

  • Evitar atividades que possam causar crises e tratar infecções e outros distúrbios rapidamente pode ajudar a prevenir crises.

A anemia falciforme afeta quase exclusivamente pessoas negras. Cerca de 10% dos negros nos Estados Unidos têm uma cópia do gene da anemia falciforme (isto é, eles têm o traço falciforme). Pessoas com traço falciforme não desenvolvem anemia falciforme, mas têm risco mais elevado de certas complicações, como sangue na urina. Cerca de 0,3% dos negros têm duas cópias do gene. Essas pessoas desenvolvem a doença.

Na anemia falciforme, os glóbulos vermelhos contêm uma forma anormal da hemoglobina (a proteína transportadora do oxigênio). A hemoglobina anormal é chamada hemoglobina S. Quando os glóbulos vermelhos contêm uma grande quantidade de hemoglobina S, eles podem se deformar e assumir um formato de foice e ser menos flexíveis. Nem todos os glóbulos vermelhos assumem formato de foice. As células com formato de foice se tornam mais numerosas quando as pessoas têm infecções ou baixos níveis de oxigênio no sangue.

As células em forma de foice são frágeis e se fragmentam facilmente. Como as células em forma de foice são rígidas, elas têm dificuldade para fluir pelos vasos sanguíneos menores (capilares). Isso bloqueia o fluxo sanguíneo e reduz o fornecimento de oxigênio para tecidos nas áreas nas quais os capilares estão bloqueados. O bloqueio do fluxo sanguíneo pode causar dor e, com o tempo, lesões no baço, rins, cérebro, ossos e outros órgãos. Pode ocorrer insuficiência renal e insuficiência cardíaca.

Sintomas de anemia falciforme

Traço falciforme

 

Em pessoas com traço falciforme, as hemácias não são frágeis e não se rompem facilmente. O traço falciforme não causa crises dolorosas, mas, em casos raros, as pessoas podem morrer subitamente enquanto fazem exercícios muito extenuantes que causam desidratação intensa, como durante treinamento militar ou atlético.

 

Pessoas com traço falciforme correm mais risco de doença renal crônica e embolia pulmonar. Em casos raros, elas podem observar sangue na urina. Pessoas com traço falciforme também correm o risco de ter uma forma extremamente rara de câncer renal.

Crise de anemia falciforme

 

Qualquer coisa que reduza a quantidade de oxigênio no sangue, como exercícios vigorosos, escalada, voar a altitudes elevadas sem oxigênio suficiente, ou uma doença, pode ocasionar uma crise falciforme (também chamada exacerbação). Uma crise de dor falciforme (vaso-oclusiva) é um episódio de exacerbação de sintomas e pode consistir em piora súbita da anemia, dores (com frequência no abdômen ou nos ossos longos dos braços e das pernas), febre e, às vezes, falta de ar. A dor abdominal pode ser intensa e podem ocorrer vômitos. Às vezes, uma crise de dor vem acompanhada de mais complicações, incluindo

  • Crise aplásica: a produção de glóbulos vermelhos na medula óssea para durante a infecção por alguns vírus

  • Síndrome torácica aguda: causada pelo bloqueio de capilares nos pulmões

  • Sequestro hepático (fígado) ou esplênico agudo (um grande acúmulo de células em um órgão): Aumento rápido do volume do baço ou do fígado

A síndrome torácica aguda pode ocorrer em pessoas de todas as idades, mas é mais comum entre crianças. Geralmente caracteriza-se por dor intensa e dificuldade respiratória. A síndrome torácica aguda pode ser fatal.

Em crianças, pode ocorrer sequestro agudo de células falciformes no baço (crise de sequestro) causando aumento do baço e exacerbando a anemia. O sequestro hepático agudo é menos comum e pode ocorrer em qualquer idade.

Complicações

 

A maioria das pessoas com anemia falciforme desenvolve aumento do tamanho do baço durante a infância porque as células falciformes ficam aprisionadas no baço. Quando a pessoa atinge a adolescência, o baço está com frequência tão lesionado que encolhe e para de funcionar. Como o baço ajuda a combater infecções, as pessoas com anemia falciforme são mais propensas a desenvolver pneumonia pneumocócica e outras infecções. Infecções, especialmente as virais, podem reduzir a produção de glóbulos vermelhos, de maneira que a anemia se torna mais grave.

 

O tamanho do fígado pode aumentar de modo progressivo ao longo da vida (causando sensação de inchaço na região superior do abdômen) e frequentemente se formam cálculos biliares a partir do pigmento produzido pela fragmentação dos glóbulos vermelhos.

 

O coração geralmente aumenta, e um coração aumentado é menos eficaz para bombear sangue para o corpo, o que leva, possivelmente, à insuficiência cardíaca. Sopros cardíacos são comuns.

 

Crianças que sofrem de anemia falciforme costumam ter um tronco relativamente curto, mas braços, pernas, dedos das mãos e dos pés compridos. As alterações dos ossos e da medula óssea podem provocar dores nos ossos, especialmente nas mãos e nos pés. Podem ocorrer episódios de dor nas articulações acompanhados por febre e a articulação do quadril pode ser danificada a ponto de precisar ser substituída.

 

Circulação ruim na pele pode causar úlceras nas pernas, sobretudo nos tornozelos. Jovens do sexo masculino podem desenvolvem ereções persistentes e com frequência dolorosas (priapismo). Episódios de priapismo podem danificar permanentemente o pênis, de modo que o homem pode ficar incapaz de ter ereções. O bloqueio dos vasos sanguíneos pode provocar acidentes vasculares cerebrais que lesionam o sistema nervoso. Nos idosos, a função pulmonar e a renal podem se deteriorar.

Diagnóstico de anemia falciforme

  • Exames de sangue

  • Eletroforese de hemoglobina

  • Exame pré-natal

Os médicos reconhecem a anemia, a dor de estômago e nos ossos, e as náuseas em jovens negros como possíveis sinais de crise falciforme. Quando os médicos suspeitam de anemia falciforme, fazem exames de sangue. Glóbulos vermelhos com forma de foice e fragmentos de glóbulos vermelhos destruídos podem ser vistos em amostras de sangue examinadas ao microscópio.

Eletroforese da hemoglobina, outro exame de sangue, também é realizada. Na eletroforese, é usada uma corrente elétrica para separar os diferentes tipos de hemoglobina e detectar, assim, hemoglobina anormal.

Podem ser necessários testes adicionais dependendo dos sintomas específicos que a pessoa sofra durante a crise. Caso a pessoa tenha dificuldade para respirar, por exemplo, ou febre, pode ser feita uma radiografia torácica.

Triagem

 

São feitos exames de sangue em parentes de pessoas com o distúrbio porque eles também podem ter anemia ou traço falciforme. Descobrir o traço nas pessoas pode ser importante para o planejamento familiar, para determinar o risco de se ter um filho com anemia falciforme.

 

Nos Estados Unidos, os recém-nascidos são rotineiramente examinados mediante exames de sangue.

 

Podem ser feitos exames durante o início da gravidez para analisar o feto e permitir o aconselhamento pré-natal para casais com risco de ter filhos com anemia falciforme. São testadas células fetais obtidas através de amniocentese ou amostras de vilosidades coriônicas em busca da presença do gene falciforme.

Tratamento de anemia falciforme

  • Tratamentos com o objetivo de prevenir crises

  • Tratamento de crises e problemas causados por elas

O tratamento visa

  • Prevenir crises

  • Controlar a anemia

  • Aliviar os sintomas

Um transplante de células-tronco pode curar a anemia falciforme. Células da medula óssea ou células-tronco de um parente ou outro doador que não tem o gene da anemia falciforme podem ser transplantadas para uma pessoa com a doença. Ainda que tal transplante possa ser uma cura, ele é arriscado e não é feito com frequência. Os receptores precisam tomar medicamentos que suprimam o sistema imunológico pelo resto da vida.

A terapia genética, uma técnica através da qual são implantados genes normais em células precursoras (células que produzem células sanguíneas), está sendo estudada atualmente.

Prevenção da crise de anemia falciforme

 

As pessoas que têm anemia falciforme devem tentar evitar atividades que reduzam a quantidade de oxigênio no sangue e procurar ajuda médica imediata mesmo quando apresentarem doenças de menor relevância como, por exemplo, infecções virais. Uma vez que as pessoas correm mais risco de infecções, elas devem receber vacinas contra infecções pneumocócicas, meningocócicas, gripais e por Haemophilus influenza tipo b. As crianças normalmente tomam penicilina por via oral a partir de 4 meses até os 6 anos de idade.

 

Alguns medicamentos podem ajudar a controlar a anemia falciforme. Por exemplo, a hidroxiureia aumenta a produção de uma forma de hemoglobina encontrada principalmente em fetos e que diminui a quantidade de glóbulos vermelhos que adquirem forma de foice. Dessa forma, ela reduz a frequência das crises falciformes e da síndrome torácica aguda. Os novos medicamentos que ajudam a controlar os sintomas e as complicações da anemia falciforme são L-glutamina, crizanlizumabe e voxelotor.

Controle da anemia

 

As pessoas recebem folato, uma vitamina que ajuda o corpo a fabricar novos glóbulos vermelhos.

 

Pode-se administrar transfusões de sangue para corrigir a anemia.

Tratamento de crise de anemia falciforme

 

As crises falciformes podem exigir hospitalização. As pessoas recebem líquido pela veia (via intravenosa) e medicamentos para aliviar a dor. São administradas transfusões de sangue e oxigênio caso a anemia seja grave o bastante para representar um risco de acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio ou danos pulmonares. Quadros clínicos que possam ter causado a crise, como infecções, são tratados.

fonte (msdmanuals.com)

10 dicas para prevenir erros diagnósticos

TEMPO DE LEITURA: 7 MINUTOS

Em 2015, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos publicou um relatório importantíssimo sobre erros diagnósticos. As principais conclusões desse trabalho, intitulado “Melhorando o diagnóstico no cuidado à saúde” (“Improving diagnosis in health care“) foram as seguintes:

  • erros diagnósticos são comuns: cerca de 10% a 15% dos diagnósticos estão errados;
  • erros diagnósticos são potencialmente graves: estima-se que 40.000 a 80.000 mortes por ano nos Estados Unidos sejam devidas a erros diagnósticos;
  • erros diagnósticos podem – ao menos, em parte – ser prevenidos.

Dr. Mark Graber

Pensando nesse problema, o Dr. Mark Graber, fundador da Sociedade para Aperfeiçoar o Diagnóstico em Medicina(Society to Improve Diagnosis in Medicine -SIDM) e um dos maiores especialistas em erros diagnósticos no mundo, elaborou esta lista com 10 dicas para prevenir erros diagnósticos.

E a melhor notícia é que todas essas dicas são simples e podem ser postas em prática hoje mesmo!

Confira abaixo!

1) FAÇA O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A causa mais comum para deixar passar um diagnóstico é… não ter pensado nele!

Todos nós, seres humanos, diante de um problema, temos uma tendência natural a buscar uma resposta rápida. Com isso, podemos nos precipitar e acreditar demais na primeira hipótese que nos vem à mente. Confiar demais na sua intuição, muitas vezes, é uma armadilha!

Crie o hábito de levantar pelo menos 3 hipóteses para todos os seus pacientes, mesmo nos casos aparentemente simples. Ao pensar em mais possibilidades, fica mais difícil ser surpreendido por um diagnóstico inesperado!

Esta, provavelmente, é a mais importante de todas as dicas para prevenir erros diagnósticos:

Sempre pergunte-se: “o que mais pode ser?”

2) RESERVE UM TEMPO PARA REFLETIR

Nem sempre dá para parar e pensar, especialmente no pronto-socorro ou com muitos pacientes para atender. Mas uma pausa para reflexão pode ajudar você a lembrar de algo, repensar alguma ideia e ainda tirar uma lição de cada caso atendido.

Sobrou um minutinho? Pare um pouco e reflita: será que estou deixando passar alguma coisa? Poderia ter feito alguma coisa diferente? Esqueci de pedir algum exame importante, ou pedi exames demais?

É o “diagnostic time out” – um tempo que pode tornar sua investigação mais objetiva e eficiente.

3) USE E ABUSE DA SEGUNDA OPINIÃO

Um colega que vê seu paciente pela primeira vez, sem ter uma impressão fechada na cabeça, pode perceber coisas novas (ou erros) que passaram despercebidos para você.

Um estudo com pacientes reavaliados pela Medicina Interna da Clínica Mayo mostrou que o diagnóstico final acabou sendo completamente diferente da hipótese inicial em cerca de 21% dos casos. Em Radiologia e Patologia, o diagnóstico também acaba sendo alterado em 5-10% dos casos, após uma segunda opinião.

4) USE FERRAMENTAS PARA APOIO DIAGNÓSTICO

Empacou com algum caso difícil? É só pegar o celular e usar algum dos vários aplicativos para diagnóstico diferencial. Você digita os principais achados clínicos do seu paciente e – voilá! – o app retorna uma lista de hipóteses diagnósticas pertinentes ao caso. Alguns exemplos são o Isabel, o VisualDx e o DxPlain.

Outra opção, mais analógica, é o uso de mnemônicos para diagnóstico diferencial ou checklists para ajudar a não esquecer nenhuma hipótese importante, tais como o nosso ACERTEINAMOSCA, o VINDICATE e outros.

5) APRENDA AS CAUSAS DE ERRO DIAGNÓSTICO

O nosso processo de raciocínio é sujeito a “vieses” que podem nos levar a erros. Há mais de 150 vieses cognitivos e afetivos que podem interferir no raciocínio humano, e muitos são fontes frequentes de erros diagnósticos em Medicina. Alguns exemplos são a disponibilidade, a representatividade, o efeito moldura e a ancoragem.

Lembre-se também que nossa memória e nossa atenção têm limites! Quando estamos distraídos, cansados ou infelizes, é comum deixarmos passar alguma informação, ou ficarmos confiantes demais numa primeira impressão diagnóstica. Portanto, reconheça que você é falível, e fique atento ao seu processo de raciocínio.

Está muito cansado? Não está “pulando” rápido demais para uma conclusão? Pare um pouco, tome um café – e pense novamente!

6) OUÇA DE VERDADE OS PACIENTES E SEUS CUIDADORES

Sabe depois de quanto tempo, em média, um médico interrompe um paciente que começou a contar sua história? 10 segundos! Não é de surpreender que os pacientes muitas vezes saem da consulta sentindo que não foram inteiramente ouvidos ou entendidos.

Comunicação ruim é outra causa importante de erro diagnóstico (e de muitos outros erros!).

Além disso, temos o péssimo hábito de usar jargão ou termos técnicos demais, dificultando o entendimento do paciente.

Ouça seu paciente, e ele vai contar o diagnóstico para você.”

Sir William Osler

7) ENVOLVA O PACIENTE NA BUSCA PELO DIAGNÓSTICO

Pacientes que se envolvem e participam mais do processo diagnóstico acabam tendo um desfecho mais favorável. Converse francamente com seu paciente sobre suas impressões e dúvidas. Inclua o paciente como um parceiro no processo diagnóstico! Eventualmente, o próprio paciente pode ser uma “rede de segurança” a mais, ajudando você a detectar e prevenir erros.

8) DIAGNÓSTICO É UM TRABALHO EM EQUIPE!

Não confie só no que está escrito. Converse diretamente com a enfermagem e com os profissionais que realizam testes diagnósticos, sempre que possível.

Radiologistas, por exemplo, em geral possuem o dobro de informação sobre seu paciente do que aquilo que está escrito no laudo do exame.

enfermagem, por estar em contato mais constante com seu paciente, frequentemente possui informações que não chegam diretamente até você – se você não perguntar.

9) CHEQUE OS EXAMES QUE VOCÊ PEDIU

Garanta que todos os testes diagnósticos ou consultas adicionais que você pediu foram feitos e que você viu o resultado de todos. Metade dos profissionais na Atenção Primária à Saúde não acompanham sistematicamente o resultado dos testes e consultas que solicitou. Isso é perigoso, pois pode fazer com que resultados importantes sejam ignorados e diagnósticos, perdidos – sem falar no custo da duplicação desnecessária de exames.

Portanto, entre as nossas dicas para prevenir erros diagnósticos, vai esta: desenvolva algum sistema para garantir que todos os exames que você pediu foram foram feitos, que os resultados foram vistos, e que todas as ações necessárias a partir desses resultados foram tomadas– inclusive, para que alguém faça isso por você quando você estiver de férias.

10) SEJA INFORMADO QUANDO ERRAR ALGUM DIAGNÓSTICO

Sabe aquele diagnóstico que você tinha certeza? Pois é, e se ele estava errado? Se você não ficar sabendo, você não vai poder fazer nada – e nem aprender com isso.

feedback é uma etapa fundamental para a aprendizagem e para o contínuo aperfeiçoamento na profissão.

Peça aos seus colegas que informem você se você errar algum diagnóstico – de preferência, a tempo de ajudar o paciente. Ajude a criar e a manter uma cultura, entre sua equipe, de falar abertamente sobre os erros, sem apontar culpados ou iniciar alguma caça às bruxas.

Somos humanos. Erramos. Mas precisamos falar sobre nossos erros; só assim aprenderemos com eles e nos tornaremos verdadeiros experts.

Gostou?…

Coloque em prática hoje mesmonossas dicas para prevenir erros diagnósticos!

compartilhe estas dicas com seus colegas, para podermos ajudar mais gente!

PARA SABER MAIS:

Graber M. Minimizing diagnostic error: 10 things you could do tomorrow. Inside Medical Liability, 2014.

Van Such M et al. Extent of diagnostic agreement among medical referrals. Journal of Evaluation in Clinical Practice, 2017.

Institute of Medicine. Improving diagnosis in health care. Washington DC: National Academies Press, 2015.

 

Fonte:

Como ajudar o patologista a ajudar você

TEMPO DE LEITURA: 5 MINUTOS

Autor: Dr. Paulo Roberto Grimaldi Oliveira

 

Chega o paciente ao médico com seus dados pessoais: sexo, idade, antecedentes familiares, doenças pregressas, sinais e sintomas da doença atual. Surge a primeira opinião diagnóstica. São pedidos exames de laboratório e algumas imagens.

Depois de alguns dias, nova avaliação e uma segunda opinião, mais robusta porque baseada em mais informações.

Em alguns pacientes, a análise conjunta de todos os dados disponíveis acaba levando à suspeita de uma doença mais grave – talvez, de natureza maligna.

A biópsia vem por último, quando nada mais se pode fazer para se chegar ao diagnóstico.

Realizada a cirurgia ou punção para obtenção de material para diagnóstico, poucos se preocupam com o pedido médico do exame anatomopatológico. No entanto, esse pedido, que vai acompanhando a amostra de tecido do paciente, é o que vai orientar o patologista para analisar adequadamente a biópsia – e assim dar a sua parcela de contribuição no diagnóstico definitivo.

Como ajudar o patologista - Raciocínio clínico

Alguns pedidos médicos só informam o nome do paciente. Este, por ser às vezes ambíguo, não permite ao patologista definir nem mesmo o sexo do indivíduo que está sendo investigado, uma informação preciosíssima!

Transcrever no pedido de anatomopatológico os sinais e sintomas, algum exame laboratorial mais importante ou um achado radiológico de interesse? Nem pensar! Não há tempo.

E aí, como é que fica o diagnóstico final? Como o patologista pode ajudar?

Olhando nosso paciente e sua doença pela ótica do patologista, é perfeitamente possível elaborar um laudo anatomopatológico baseado unicamente no aspecto morfológico da lesão. O patologista começa fazendo o estudo macroscópico (peso, medidas, aspecto da superfície externa, consistência e superfície de corte). Depois analisa as características microscópicas da lesão, reveladas pelo estudo com o microscópio.

Como ajudar o patologista - Raciocínio clínico

Mas essa não é a melhor forma de extrair do patologista todas as informações que ele pode dar. Não é dessa forma que o patologista pode dar o seu melhor. Para ajudar o patologista a contribuir da maneira mais significativa possível para o diagnóstico, você precisa dar a ele mais informações.

 

Como ajudar o patologista

Se o quadro clínico do paciente, como um todo, for transcrito no pedido médico que acompanha a biópsia, o patologista, como médico que é, poderá construir seu próprio raciocínio clínico. Nesse processo, tentando encaixar todos os dados relevantes do paciente: os sinais e sintomas, os resultados dos principais exames, as hipóteses diagnósticas, e, por fim, os achados macro e microscópicos da lesão, é que um diagnóstico correto e mais acurado terá maior probabilidade de ser elaborado.

Como ajudar o patologista - Raciocínio clínico

Na era em que vivemos, onde a medicina de precisão está criando seu espaço, a medicina baseada em evidências já é uma realidade até para as operadoras de saúde, e a medicina personalizada fica cada vez mais acessível aos pacientes, não se admite mais um diagnóstico anatomopatológico baseado somente no aspecto morfológico das células e tecidos.

Urge conhecer todos os dados do paciente e elaborar o verdadeiro diagnóstico definitivo, que fará toda a diferença no tratamento do paciente.

Por isso, é importante não economizar informações clínicas toda vez que um estudo anatomopatológico for solicitado. Ponha um resumo dos principais achados clínicos, dos principais exames, e quais são as principais hipóteses que você está considerando. Não esqueça da identificação: sexo, idade, etnia.

Dessa maneira, você vai ajudar o patologista a ajudar você de uma maneira mais efetiva. Seus pacientes agradecerão!

 

Sobre o autor:Dr. Paulo Grimaldi - Como ajudar o patologista - Raciocínio clínicoO Dr. Paulo Roberto Grimaldi Oliveira é médico patologista formado pela Escola Paulista de Medicina em 1970, mas trabalha com Anatomia Patológica desde 1968 – há meio século!

É diretor do laboratório Pathos em São Paulo (SP).

 

BÔNUS! 
Como diminuir erros diagnósticos em Patologia?

Erros diagnósticos ocorrem em todas as áreas da Medicina, inclusive na Patologia. No mundo real, a revisão de biópsias por um segundo patologista acaba revelando alguma anormalidade crítica e potencialmente grave (que não foi detectada na primeira avaliação) em cerca de 2% a 5% dos exames. Erros de interpretação parecem contribuir para a maioria daqueles erros em Patologia que acabam acarretando algum prejuízo clínico para o paciente.

Um artigo de revisão sobre esse assunto sugeriu a adoção de cinco diferentes estratégias para tentar diminuir a incidência de erros diagnósticos em Patologia (uma das quais já foi sugerida no texto acima):

  1. Reforçar o treinamento dos patologistas, otimizando seu conhecimento e experiência;
  2. Padronizar os procedimentos e a terminologia;
  3. Fornecer aos patologistas mais dados sobre a história clínica e exames do paciente, que permitam a correlação clínico-patológica;
  4. Empregar técnicas especiais (ex.: imunoistoquímica) que agregam valor diagnóstico e prognóstico;
  5. Usar revisão de lâminas ou segunda opinião em casos difíceis ou com grande impacto clínico (ex.: câncer).

 

Ficou curioso para saber o diagnóstico daquela imagem de microscópio que está no título deste post? Aquele é um corpo asteroide, observado na sarcoidose.

Photo by Pulmonary Pathology on Foter.com / CC BY-SA

 


PARA SABER MAIS:

Graber ML. The incidence of diagnostic error in MedicineBMJ Quality & Safety, 2013.

Nakhleh RE. Diagnostic error in surgical pathology. Diagnostic Histopathology, 2013.

 

Fonte: http://raciocinioclinico.com.br/blog/revisoes/como-ajudar-o-patologista-a-ajudar-voce/

Mundo microscópico

Incerteza na Medicina 2: E agora, doutor?

TEMPO DE LEITURA: 12 MINUTOS

Incerteza

A Medicina e a ciência têm resposta para tudo?

Estudando Medicina ou atuando como médico, você certamente já deve ter se dado conta que não!

Para muitas perguntas, ainda não há resposta definitiva; para outras, as respostas existentes nem sempre são preto no branco, “sim” ou “não”.

Imagine que você precisa determinar o prognóstico de um paciente de 75 anos com câncer de próstata, ou de uma mulher de 45 anos com câncer de mama, ou de um jovem vítima de TCE com lesão axonal difusa, em coma na UTI.

É possível dar um prognóstico com certeza sobre a sobrevida ou a recuperação desses indivíduos específicos? Ou apenas fornecemos aos pacientes dados extrapolados de pesquisas com grupos de pessoas semelhantes, de onde tiramos taxas médias de sobrevida ou risco médio de morte em um intervalo de tempo?

Considere outra situação: as recomendações para o tratamento da hipertensão arterial. Você sabia que, se comparados, os guidelines (diretrizes) de associações diferentes sobre uma mesma condição apresentam muitas divergências entre si? Então, qual seguir, e por quê?

Neste segundo post da série sobre incerteza na Medicina, você aprenderá como analisar casos onde há dúvida e como mudar a percepção das incertezas. Esperamos que você deixe de perceber a incerteza como algo ruim, para passar a vê-la como algo universalmente presente – e, muitas vezes, uma fonte de oportunidades.

Quer aprender como ter mais autoconfiança, mais coragem e uma mente mais aberta nas dificuldades?

Então continue conosco!

 

 Uma gestante e um dilema médicoUma gestante e um dilema médico - incerteza 2 - Raciocínio clínico

Fátima tem 35 anos, é portadora de diabetes tipo 1 há 20 anos e está na sua segunda gestação (apesar de seus seus médicos terem recomendado a ela que evitasse engravidar novamente).

Na 26ª semana de gestação, foi internada com edema progressivo e piora da acuidade visual. Ela tinha hemorragias em fundo de olho, proteinúria e uma creatinina de 1,2mg/dL, bem elevada para uma gestante, que indicaram piora importante da retinopatia e da nefropatia diabética. Observou-se também elevação níveis de ureia para 86mg/dL, o que na gestação já pode ser indicativo de necessidade de diálise. Apesar de hipertensa, apresentava bons níveis pressóricos e o bebê estava bem.

A equipe da obstetrícia ficou angustiada pela possível necessidade de adiantar o parto, tendo em vista a piora significativa das complicações crônicas do diabetes, a possibilidade da terapia dialítica e o risco de pré-eclâmpsia ou outras intercorrências, que podiam piorar o prognóstico fetal.

 

Como agir nesse caso? Será que antecipar o parto impedirá a progressão da doença ocular e renal da mãe? Esperar mais um pouco poderia aumentar a viabilidade do feto, mas será prudente esperar?

Como dissemos na primeira parte desta série sobre incerteza, diante dela os médicos podem ter diversas reações e sentimentos:

  • insegurança
  • medo
  • frustração
  • paralisação nas decisões
  • agir com precipitação
  • impotência
  • angústia

Na Medicina moderna, além dos desafios que a própria doença traz consigo, podemos ainda acrescentar:

  • a evolução das tecnologias de diagnóstico e evoluções no tratamento, que tem caminhado mais rápido que a produção de pesquisas e evidências;
  • medicina baseada em evidências, que conta com as dificuldades próprias de levantar dados e chegar a conclusões;
  • decisão partilhada com os pacientes, onde não basta ter respostas, mas é preciso encontrar as melhores soluções levando em conta as necessidades e preferências de cada indivíduo doente.

Se as dúvidas e incertezas são por nós percebidas como uma ameaça, será difícil lidar com elas de maneira tranquila e consciente. Nesse caso, nós e os pacientes poderemos ser vítimas de erros, com exames e condutas desnecessárias, além de uma carga elevada de stress e sofrimento.

Vejamos então algumas facetas da incerteza na Medicina, junto com maneiras de abrandar seu impacto.

Leia com atenção, pois depois vamos analisar o caso da Fátima usando essas informações!

 

Quais as facetas da incerteza?

A incerteza tem pelo menos três facetas diferentes, que são:

  • ambiguidade;
  • probabilidade;
  • e a complexidade.

Facetas da incerteza na Medicina - Raciocínio Clínico

 

Em que situações experimentamos a incerteza na Medicina?

  • Quando estamos conscientes de ignorar ou não saber algo, embora seja conhecido pela Medicina;
  • Quando o assunto está fora dos limites do conhecimento médico, ou seja, ainda não foi estudado ou esclarecido pela ciência;
  • Quando não conseguimos diferenciar as duas situações acima: essa é a ignorância da incerteza;
  • Quando a incerteza é decorrente do sistema, devido a atrasos ou erros de exames, ausência de recursos diagnósticos, logística do cuidado etc.

 

Como lidar com a incerteza?

Para lidar com a incerteza, vale a pena seguir este passo a passo:

 

Passo a passo para lidar com a incerteza na Medicina - Raciocínio clínico

 


1) Identificar sua origem:

Uma ou mais das quatro situações acima geralmente está na origem da incerteza.

Se a origem tem a ver com falta de informação, podemos situar o problema em um dos três elementos da figura abaixo:

Falta de informação e incerteza na Medicina - Raciocínio clínico

Por outro lado, a origem da incerteza também pode estar no sistema de saúde: disponibilidade ou ausência de recursos, características dos exames, qualidade dos serviços.

 


2) Diminuir ou resolver seu impacto:

Após achar a origem para a incerteza que nos incomoda e impede de tomar uma decisão com maior segurança em um problema específico, precisamos remediá-la com ações dirigidas.

  1. Técnica: Pedir opinião ou consulta formal de um colega, pesquisar, consultar internet, usar ferramentas de apoio ao diagnóstico.
  2. Conceitual: Solicitar avaliação formal de outro colega, fazer cursos, reforçar treinamento.
  3. Pessoal: Conversar melhor com paciente (ou familiares/cuidador), pedir auxílio de outros profissionais (serviço social, psicologia).
  4. Sistema: Identificar falhas, atrasos, erros. Conversar com radiologista, patologista.

 


3) Enfrentar com atitudes positivas:

Este ponto tem muita importância: é aqui que vamos rever nossa percepção diante das incertezas, deixando de vê-las como algo puramente maléfico e negativo, e passando a percebê-las de uma maneira mais realista e positiva.

Podemos reagir às incertezas nos aspectos cognitivoemocional e comportamental.

Veja abaixo as reações em cada um desses aspectos, e compare as reações positivas com as negativas.

Se conseguir, identifique quais dessas reações você costuma ter com mais frequência, diante da incerteza!

Reações à incerteza na medicina - raciocínio clínico

Veja que diferença há entre o ponto de vista negativo e o positivo!

Não é necessário ficarmos surpresos ou chateados por haver dúvidas e indeterminações. Elas sempre vão existir! As incertezas devem ser reconhecidas e abraçadas, pois são inerentes à prática médica.

 


De volta ao caso da nossa gestante

Podemos levantar, neste ponto, várias questões, algumas das quais você já deve ter imaginado:

  • Qual o risco de complicação fetal (morte ou sequela) caso a gestação seja levada adiante, ou caso o parto seja antecipado?
  • O prognóstico de um bebê prematuro nessas condições é semelhante ou pior que o de um bebê de uma mãe sadia?
  • A função renal da mãe continuará a piorar?
  • O tratamento hemodialítico pode ajudar a gestação a ser levada adiante, a fim do bebê ter melhores chances?
  • Esse tratamento pode causar algum malefício ao bebê?

Veja que todas as três facetas da incerteza podem ser encontradas aqui:

  • ambiguidade, pois é difícil definir como alcançar o bem da mãe e do bebê simultaneamente. Também não é possível diferenciar bem as mútuas relações entre todos os problemas e o nível em que cada um pode afetar ou piorar o outro;
  • A probabilidade, pois não há uma boa previsão dos riscos para o bebê em qualquer das situações, seja de parto ou de observação clínica. Podemos comparar os riscos e fazer uma escolha, mas sem poder garantir nada;
  • complexidade, pois são muitos problemas (muitas variáveis) ao mesmo tempo, tornando difícil um julgamento e uma decisão acertada.

Seguindo nosso passo a passo, identificamos a origem da incerteza e a estratégia para diminuí-la:

  1. Técnica: dúvidas sobre prognóstico do bebê nascer com 26 semanas e da gestação ser levada adiante com hemodiálise: pode ser resolvida buscando esses dados e comparando-os.
  2. Conceitual: para saber se é possível levar a teoria à prática, os especialistas envolvidos no caso devem conversar para expor seu conhecimento e competência.
  3. Pessoal: Até agora não dissemos quão desejada foi essa gravidez (o que não quer dizer que, não sendo, a vida do bebê possa ser desprezada) e não perguntamos a opinião da mãe. A participação da paciente é fundamental no entendimento e aceitação dos riscos, desconfortos e procedimentos.
  4. Sistema: Caso o parto seja realizado, há UTI neonatal e quais suas taxas de mortalidade, sucesso, etc.? O serviço de diálise é acessível? É possível atender às necessidades especiais da gestante?

 

Final da históriaAs diversas especialidades conversaram entre si e puderam chegar a um consenso.

Hemodiálise para gestantes é algo relativamente seguro, e a equipe de nefrologia tinha recursos para oferecer um tratamento adequado. Iniciar hemodiálise após a concepção tem um melhor prognóstico que a concepção já em terapia dialítica.

A UTI neonatal era de boa qualidade, com profissionais capacitados. As perspectivas caso o parto fosse antecipado não eram excelentes devido à prematuridade, mas com uma idade gestacional de 26 semanas a sobrevida gira em torno de 75% com 50% de morbidade grave, embora seja difícil encontrar uma estatística exata para pacientes com comorbidades, podendo ser pior nesses casos.

Fátima participou do processo de decisão, sendo informada dos riscos e da incerteza. Ela compreendeu e aceitou a proposta do tratamento dialítico como tentativa de melhorar as chances do filho. Desse modo, optou-se por iniciar hemodiálise, o que ainda demorou alguns dias, conforme a função renal piorava.

A gestação foi levada até 32 semanas, quando se realizou a cesárea por suspeita de pré-eclâmpsia.

O bebê ficou alguns dias na UTI neonatal e se recuperou bem.

Após o parto, Fátima teve melhora e conseguiu ficar fora da hemodiálise por seis meses.

Incerteza na medicina 2 - Raciocínio Clínico

 

Conclusões

Muitas vezes, quando não têm uma resposta clara ou quando têm medo do resultado, os médicos culpam os pacientes. Isso poderia acontecer no caso de Fátima, que poderia ter sido acusada de ser imprudente ao engravidar pela segunda vez.

No entanto, aceitar as vicissitudes, os riscos e imprevistos da vida dá mais liberdade e confiança a todos os envolvidos.

Se você está agindo de acordo com a razão, seguindo as etapas do raciocínio clínico ou do tratamento, mesmo no meio das incertezas é possível ter mais calma e fé no que você está fazendo, e esperar os resultados sem tanto sofrimento.

Ao invés de negar nossa incapacidade de prever, criamos coragem para continuar ao lado da paciente e ser honestos com ela. Melhoramos nossa capacidade de decisão, observamos melhor as possibilidades e tomamos um curso de ação consciente, ao invés de nos esquivar ou tomar ações intempestivas.

Não é verdade que somos treinados e cobrados para ter sempre uma resposta? Temos que saber tudo; a dúvida é malvista. Veja as provas da faculdade ou da residência: cheias de questões de múltipla escolha, que têm apenas uma resposta correta. Mas os pacientes não nos procuram com cinco alternativas!

Por isso tudo, talvez as três palavras mais difíceis (e mais libertadoras) de serem pronunciadas na Medicina sejam:

 

“EU NÃO SEI!”

 

Um dos primeiros aprendizados que deveríamos ter é esse: não temos resposta para tudo. Saber disso ajudaria a crescermos em humildade, comunicação e vontade de buscar conhecimento.

 


Confira também a PARTE 1 da nossa série sobre incertezas na medicina!

 


PARA SABER MAIS:

Han PKJ, Klein WMP, Arora NK. Varieties of uncertainty in health care: a conceptual taxonomyMedical Decision Making, 2011.

Hillen M et al. Tolerance of uncertainty: conceptual analysis, integrative model, and implications for healthcare. Social Science & Medicine, 2017.

 


ADVERTÊNCIA: Este caso é inspirado em experiências da vida médica do autor, mas de nenhum modo reflete fatos ou pacientes específicos. Todos os acontecimentos, situações e personagens deste caso são fictícios.

 

Fonte: http://raciocinioclinico.com.br/blog/revisoes/incerteza-na-medicina-2-e-agora-doutor/